Sushi de graça

Amigos, este texto é um pequeno guia para comer sushi de graça. Ele foi extensivamente testado por mim entre 2010 e 2014 e me rendeu horas de alegria regadas com shoyo e lambuzadas com wasabi.

Vamos ao nosso passo a passo:

1– Encontre um amigo que é devoto das milhas e das recompensas oferecidas pelas operadoras de cartão de crédito.

Quanto mais apaixonado, melhor. Quanto mais cartões esse amigo tiver, melhor. Quanto mais vezes ele tiver dito que “se você não passa tudo no crédito, cê tá perdendo um rio de dinheiro”, melhor.

2– Peça para que ele encontre a média do total das faturas de todos os cartões nos últimos 6 meses (basta somar tudo e dividir por 6).

Para nosso exemplo, suporemos que a média é 3500 reais.

3– Proponha uma aposta a este amigo, o perdedor paga o almoço no restaurante japonês. A aposta é bastante simples, você pode explicá-la assim:

Eu aposto que, se você não utilizar o cartão de crédito durante os próximos 30 dias, você vai gastar menos do que 3500 reais”.

Ele provavelmente vai responder “ah, mas eu tenho o CashbackPlusAlpha, vale muito a pena, se eu não usar o cartão eu deixo de ganhar esse dinheiro”.

Você responderá: “mm… super entendo, sem problemas, então vou reformular a aposta: eu aposto que, se você não utilizar o cartão de crédito, você vai economizar, pelo menos, 10% do valor médio das suas faturas, ou seja, você vai gastar menos do que 3150 reais”.

Dê essa margem de 10% de lambuja para que você seja reconhecido pela pessoa generosa que é.

Se você for um tiozão como eu, você pode soltar uma piadinha ruim e dizer que esse é o programa AmuriCashbackPlus, que garante economia de 10%, é melhor do que qualquer outro disponível no mercado.

4– No meio do mês, seu amigo dirá “putz, mas eu preciso pedir uma corrida aqui nesse aplicativo de transporte e na sexta-feira eu peço pizza pelo aplicativo de comida!” .

Não se abale. Responda algo como “tranquilo, é só comprar créditos, dá pra fazer via PIX”.

5– Espere o mês passar, aja naturalmente.

6– Ao final dos 30 dias, faça o levantamento dos gastos

Faça isso junto com seu amigo e perceba que você ganhou a aposta.

7– Dirijam-se ao restaurante japonês de sua preferência.

8– Comam felizes e celebrem a amizade.

Agora que você já domina esta técnica do século 21, vamos seguir com nossa reflexão.

Somos dados aos pequenos negacionismos.

Pilhas de artigos científicos seriamente endossados por montes de experimentos muitíssimo bem-feitos apontam que o meio de pagamento influencia nossa predisposição ao gasto.

Quanto mais abstrato o meio, quanto mais conectado com o eu-do-futuro e menos conectado com o momento presente é o dispêndio, menor é a dor do pagamento e, por consequência, maiores as chances de que gastemos mais.

Mesmo assim, por conta de 1. campanhas de marketing lindas, 2. busca por pertencimento, 3. busca por diferenciação, 4. crença infundada no auto-controle e 5. conveniência, somos facilmente seduzidos.

Com duas ou três frases de efeito e um punhadinho de recompensas que nem sabemos se vamos usar, somos cooptados.

Percebam que, nos últimos parágrafos, passei a usar a primeira pessoa do plural. Não foi a toa.

A história do cartão de crédito com benefícios, por um acaso, não me pega, mas sou apaixonado por muitas outras narrativas que não fazem lá muito sentido e não sobrevivem a meia dúzia de questionamentos. O conhecimento, por si, não resolve.

Enquanto escrevo este texto, contemplo 4 pacotões que chegaram hoje cedo (recebidos pagos). São equipamentos de iluminação que comprei para meu pequeno estúdio.

A Gabriela, minha esposa, viu essa parafernalha toda pela manhã e perguntou “nossa, você resolveu mudar o esquema de luz do seu escritório? Você me disse há poucas semanas que estava satisfeito com a luz natural da janela!”.

Teimoso feito uma porta, ponderei que “ah, mas é que com a iluminação artificial eu consigo gravar à noite, né?”. Ela, que já havia sacado a completa desnecessariedade das minhas compras, complementou, docemente irônica: “Mas você grava à noite? Tem anos que você deixou de trabalhar à noite, vive dizendo que dorme melhor se encerra o expediente mais cedo”.

Gaguejei aquele “não, então, veja bem…” típico dos que relutam em desistir da batalha perdida e, por fim, me resignei.

Amigos negacionistinhas, me deem aqui um abraço.


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Heloísa Sanchez