O vale das previdências esquecidas

Amigos, não sei se vocês sabem, mas ali perto da ilha para onde vão as tampas de caneta e as chaves perdidas existe um vale que serve de morada para todos os planos de previdência cruelmente abandonados por seus donos.

Alguns foram criados pelos respectivos titulares, outros por pessoas queridas e preocupadas com o porvir; alguns foram feitos em um lapso de amor próprio, num lampejo de consciência, outros foram paridos puramente com a força do ódio, numa onda meio "bom, já que eu não consigo guardar dinheiro de outro jeito e já que o gerente está me enchendo o saco, vai esse mesmo".

Uns recebem novos aportes, outros não, mas o fato é que eles estão lá. Não pensem vocês que os respectivos proprietários os esqueceram. Não, os donos sabem, mas ou foram acometidos por uma certa preguiça, por uma sensação de impotência, ou foram atropelados pela rotina. Este texto é um chamado. É simplório, vai carecer de pesquisa, de movimentações, mas é um começo: alô você, possuidor de plano de previdência, você deveria se informar se esse produto (ainda) faz sentido para você.

Você precisará de algumas informações. Todas elas podem ser obtidas, no melhor dos casos, no site do seu banco, corretora ou seguradora e, no caso mais chatinho, diretamente com seu gerente ou assessor. Vou comentar as questões de maneira grosseira, sem tanto aprofundamento. Lembre-se que o ponto aqui é fazer com que você olhe para seu pequeno rebento perdido no vale, não que você se torne um especialista no tema.

#1 - Você possui um PGBL ou um VGBL?

Estas são as duas modalidades de previdência mais comuns no Brasil. Ambas são extensivamente utilizadas e a principal diferença entre elas é o mecanismo de tributação. Em termos práticos, enquanto no VGBL você paga o imposto de renda sobre "o que rendeu", no PGBL o cálculo do imposto é feito sobre "o valor todo". Em contrapartida, no PGBL você tem um benefício fiscal generoso, você pode abater suas contribuições do seu montante a ser tributado no seu imposto de renda (tecnicamente falando, estamos falando de uma postergação do tributo, uma bela vantagem, se bem utilizada). Essa descrição breve e simplista, por enquanto, basta. Descubra se você tem um PGBL ou um VGBL.

#2 - O regime de tributação é progressivo ou regressivo?

Existem dois regimes de tributação, o progressivo (ou compensável) e o regressivo (ou definitivo). Mais uma vez falando de maneira grosseira, no regime progressivo o imposto cresce de acordo com o montante a ser sacado. Existe uma tabelinha que você pode encontrar muito facilmente no Google (não foque nisso agora!). Já no regime regressivo, a alíquota de imposto a ser paga varia de acordo com "a idade do aporte". Quanto mais velho o aporte, menor a alíquota.

Descobrindo o regime, já temos um perfil: talvez você possua um "VGBL progressivo", talvez possua um "PGBL regressivo". Respire fundo por aí e vamos para a parte mais chatinha.

#3 - Onde está esse dinheiro?

Por trás de todo plano de previdência existe um fundo, que movimenta esse dinheiro, compra e vende ativos, buscando certa rentabilidade. Esse fundo tem um CNPJ e essa é nossa informação chave. Você vai precisar do CNPJ desse fundo. Eu poderia falar "busque o nome do fundo", mas a indústria de fundos, assim como a indústria dos esmaltes, é extremamente confusa criativa (com o agravante de utilizar termos em inglês). Provavelmente existe um esmalte chamado "Noite estrelada" e outro esmalte chamado "Noite tropical", da mesma forma que provavelmente existe um fundo chamado "Blaster" e outro chamado "Blaster Top". Como o CNPJ é único, fica mais difícil errar. Busque esse número por aí.

#4 - Taxas?

Bem direto ao ponto por aqui também: você deve buscar as informações relativas a taxa de carregamento, taxa de saída e taxa de administração.

Com essas quatro informações em mãos, podemos partir para essa primeira análise.

Uma análise simplista de um plano de previdência

Jogue o CNPJ do fundo no Google. Nosso objetivo é encontrar um gráfico (ou tabela) com o respectivo desempenho. Vale a pena utilizar o comparador da Verios. Busquei um fundo de previdência utilizado por um aluno do Dinheiro Sem Medo, programa de acompanhamento que conduzo, este foi o gráfico que encontrei:

 
gráfico 1.jpg
 

A linha preta é o CDI, que pode ser utilizado como baliza, a linha azul é o desempenho do fundo em questão. Uma tranqueira. Fundos como esse não deveriam nem existir. Mas existem e possuem, literalmente, bilhões em patrimônio. Dê uma boa olhada no desempenho do seu fundo de previdência. Não é, necessariamente, um problema ter um fundo de previdência que, por determinado período, está rendendo "abaixo dos 100% do CDI", mas esse, definitivamente, é um ponto de atenção. Aliás, essa ressalva serve para todos os pontos deste texto: estamos tratando de indícios, de ponderações, de maneira nenhuma estou elencando regras, são muitos os pontos a serem analisados.

Bom, caso você identifique (sozinho ou com a ajuda de um amigo ou profissional da área) que seu dinheiro está em um fundo ruim, existem opções. A previdência tem suas vantagens e uma delas é a possibilidade de portabilidade. Você tem direito de solicitar a portabilidade para outro fundo, da mesma instituição ou não. Esse "ou não" é bem importante, já que, muitas vezes, as instituições não deixam isso claro. O processo costuma ser rápido e não possui qualquer tipo de custo ou ônus. Normalmente você entra em contato com a instituição-destino e eles te orientam sobre o trâmite.

Você sempre tem o direito de sacar, seja porque identificou que o fundo é ruim, seja porque quer utilizar o dinheiro para para outro fim. Em qualquer um desses cenários, precisaremos lidar com a questão da tributação (pontos #1 e #2 desse texto).

O montante a ser tributado varia de acordo com a modalidade: no VGBL, ela incide sobre o rendimento e, no PGBL, sobre o todo. Esse ponto é bem delicado. Fazer o resgate de um PGBL raramente representa alguma vantagem -- essa é a contrapartida do benefício tributário que ele oferece durante o processo de aporte.

O regime de tributação também é bem importante: se você possui um plano regressivo e começou a aportar há pouco, pondere bem seus resgates: a alíquota inicial (para os aportes "jovens") é muito agressiva (35%) e ela vai caindo, até chegar em 10% (depois de 10 anos).

"Amuri, isso quer dizer que nunca faz sentido resgatar antecipadamente o PGBL? VGBL sempre é bom sacar e colocar em outro lugar? Portabilidade é sempre algo a ser feito?"

A resposta para essas três perguntas é não. Às vezes, por conta de uma série de variáveis, resgatar o PGBL é o melhor a se fazer. Mas é mais raro. Por vezes, e não sempre, sacar um VGBL esquecido e montar uma carteira mais balanceada com o montante é algo interessante a ser ponderado. A mesma cautela vale para a portabilidade: é algo que deve estar no seu radar, mas definitivamente não é a coisa certa a se fazer em todos os casos.

Se por um lado a previdência é um produto flexível (a portabilidade entre fundos é uma grande vantagem), por outro ela é engessada: não existe a possibilidade de migração de um VGBL para um PGBL (e vice-versa). Em tempo, porém, se você possui um plano no regime progressivo, você pode migrar para um plano regressivo e isso frequentemente é uma movimentação interessante – o caminho inverso, entretanto, não é permitido.

Coloque todas essas informações na mesa, faça quantas perguntas forem necessárias para seu gerente ou assessor. Esse é o trabalho dele. Se algo te parecer estranho, peça para que ele envie por e-mail, chame um amigo para ler junto, pesquise os termos mais complicados. Você pode formular suas questões de maneira bem direta: "se eu sacar agora, quanto vou receber? Vou precisar pagar algo depois, na minha declaração do imposto de renda?". Caso opte por uma portabilidade ou resgate, peça todas as simulações antes de efetivar a movimentação.

A previdência, por ser um produto com perfil de longo prazo, muitas vezes favorece a adoção de uma atitude mais descuidada, "coloca o dinheiro e deixa lá!". Nos iludimos, achando que "já foi", que agora é só esperar. Não caiam nessa. Não está fácil ganhar dinheiro e, mais do que isso, não está fácil fazer o dinheiro sobrar, isso é um imenso privilégio.

Na maior parte das vezes, meia hora de pesquisa e um par de e-mails serão capazes de tornar tudo mais claro. Com a lição de casa feita, talvez você opte pela portabilidade, talvez pelo resgate ou talvez conclua que faz sentido simplesmente deixar como está. Independentemente do desdobramento, o ponto é deixar a postura displicente de lado.

Tratemos bem nossos dinheiros, amigos, esse vale é um lugar sombrio.

PS: Comento mais longamente sobre previdência privada neste episódio do uma horinha sobre grana, meu podcast.


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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Heloísa Sanchez