A rentabilidade dos seus investimentos não vai resolver sua vida

Ofereci uma sessão de consultoria para uma aluna, nesta semana. Dentro os quase 1000 alunos que já passaram pelos programas, ela é uma das mais comprometidas e engajadas. Ela começou em 2018 e segue próxima até hoje. Primeiro ajeitou o planejamento do dia a dia, em seguida conseguiu fazer a reserva de emergência e agora está montando as próximas camadas da carteira. Está bem satisfeita, de maneira geral, deu gosto de ver. Nessa etapa é natural que os alunos comecem a fazer projeções. Geralmente surge uma inquietação parecida com essa:

"Então, eu vi aqui que dá pra separar 300 reais por mês, pensando em longo prazo, talvez um horizonte de 20 anos. A ideia é ter um pé de meia mesmo, uma segurança extra".

É um processo bonito de ver. A pessoa, por um momento, deixa de usar simuladores, deixa de olhar a projeção da corretora, e se preocupa em rabiscar os próprios números, ela passa a desbravar um terreno que, há pouco tempo, "não era pra ela". Alguns fazem essa projeção na mão, avançando ano a ano, dando uma castigada na matemática pra ficar mais fácil, e chegam em algo parecido com isso:

 
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Outros são mais íntimos do Excel e, depois de apanhar um tiquinho, encontram uma fórmula que faz algo parecido:

 
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Os dois caminhos nos levarão ao mesmo lugar. Interpretando essa brincadeira: se eu começo com R$ 10.000 e poupo R$ 300 por mês (ou seja, R$ 3600 por ano), e se consigo uma rentabilidade real (acima da inflação!) de 4%, chegarei em aproximadamente R$ 129.000 em 20 anos. Muitas vezes, frustrados (e iludidos por conta das projeções ridiculamente otimistas das corretoras (e dos anúncios do YouTube e do Instagram), pode nos ocorrer uma fala parecida com essa:

"Pouco. Esse valor é pouco. Não vai resolver minha aposentadoria. Não vai garantir meus custos no final da vida. Preciso de mais. Tenho um amigo que começou a investir ano passado, conseguiu 15% ao ano, não faz sentido fazer a projeção com 4% de rentabilidade real, vamos usar uma rentabilidade maior!"

Cada vez que alguém fala um negócio desse, morre um panda no Tibet. Mas vá lá, vamos seguir com o exemplo do nosso guerreirinho batedor de mercado. Vamos supor que nosso amigo investidor conseguiu, por 20 anos, uma média de rentabilidade 50% maior do que nossa estimativa inicial. Ele conseguiu impressionantes 6% ao ano, acima da inflação. Ele está de parabéns (sem ironia, é realmente algo bastante desafiador). Refazendo nossa projeção, encontraremos algo parecido com isso:

 
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Ao invés de chegar nos R$ 129.000, ele chegou nos R$ 164.000 e, para isso, precisou tomar uma avalanche de risco a mais. Uma avalanche. Dormiu menos, teve umas gastrites, perdeu uns cabelos, e conseguiu R$ 35.000 a mais, em 20 anos. "Ah, Amuri, R$ 35.000 é muita coisa!". Juro que sei e juro que concordo contigo. Mas quem dizia não conseguir "encaminhar a vida" com os R$ 129.000, vai conseguir com R$ 164.000? Muda, de fato, tanta coisa assim? Esses R$ 35.000 viabilizam algo extraordinário, que justifica todo o tempo e energia demandados durante os 20 anos de construção do patrimônio? Provavelmente, para a maioria de nós, não.

Seduzidos pela imagem do ser humano bem sucedido, dono de si, tendemos a superestimar duas coisas: primeiro, nossa tolerância ao risco e, segundo, e esse é o principal ponto desse texto, o papel da rentabilidade em um processo de construção de patrimônio. Essa busca por um percentual mais gordinho nos suga, nos exaure, pode nos levar a tropeções que prejudicam todo o processo e talvez nos cegue para uma verdade dolorida: a maior parte do nosso patrimônio, da nossa segurança financeira, do nosso pé de meia, provavelmente virá do nosso trabalho.

"Amuri, mas investir não é importante?"

Ô se é. É importante demais, é uma habilidade que deveria ser dominada por todos, é algo a ser incentivado. Eu gasto um bocado do meu tempo acordado levantando essa bandeira, mas precisamos ser justos e lúcidos aqui: a rentabilidade dos investimentos é um acelerador no processo de formação de reservas, não é o alicerce, não é o carro-chefe. A base, na minha opinião, é o seu aporte, é a grana que sai do seu bolso e que vem do seu trabalho. Vamos voltar alguns parágrafos e vamos trocar essa ponderação:

"Pouco. Esse valor é pouco. Não vai resolver minha aposentadoria [...] Preciso de mais. Vamos usar uma rentabilidade maior".

Por essa:

"Pouco. Esse valor é pouco. Não vai resolver minha aposentadoria. Vou refazer meu planejamento, dart meus pulos, dar uma apertada aqui e ali, focar nas minhas possibilidades e, ao invés de considerar um aporte anual de R$ 3600, vou trabalhar com o valor de R$ 6000."

Bom, ao invés de R$ 300 por mês, estamos falando de R$ 500. É um aumento considerável, mas me arrisco a dizer que, para a maior parte das pessoas, a probabilidade de que esse aumento do aporte seja viável é muitíssimo maior do que a probabilidade de que obtenhamos, com consistência, uma rentabilidade 50% maior.

 
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Ao invés dos R$ 129.000 obtidos no desenho original, e dos R$ 164.000 obtidos com a rentabilidade mais vida louca, obteríamos R$ 200.000. Nada mal. Agora vem comigo fazer uma conta meio capciosa. Vamos tentar entender quanto, desses R$ 200.000, veio dos aportes (ou seja, do bolso), e quanto veio através dos investimentos. É bem fácil: nesses 20 anos, nosso personagem tirou do bolso R$ 130.000 (ou seja, 20 vezes R$ 6.000 mais os R$ 10.000 iniciais), e os outros R$ 70.000 vieram os investimentos. Com esses dados, podemos fazer a continha: dividimos os os R$ 130.000 (bolso) pelos R$ 200.000 (total) e os R$ 70.000 (rentabilidade) pelos R$ 200.000 (total) e chegaremos no nosso resultado. Do valor acumulado, 65% veio do bolso. É, disparadamente, a maior parte. Os outros 35% vieram, de maneira lenta e com pouca emoção (em se tratando desse assunto, é o jeito que eu gosto) da rentabilidade dos investimentos.

Desenhando, para facilitar o entendimento, teríamos algo assim:

 
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Um resumo grosseiro e direto ao ponto: se você faz parte do seleto grupo de brasileiros que têm a possibilidade de guardar algo e, seguindo, se você faz parte do grupo (ainda mais seleto) dos que têm a possibilidade de guardar "um pouquinho mais", você definitivamente deveria fazê-lo.

Não se iluda com os anúncios no estilo "tenho 24 anos e fiquei milionário analisando gráficos e operando opções", respire por aí, ponha os pés no chão e volte naquele planejamento raiz, feito no papel de pão, na planilha, no caderninho, no aplicativo, tanto faz. Pondere: você está se dedicando, primariamente, às frentes de planejamento que serão responsáveis pela maior parte do seu resultado? É muito fácil cair nessa armadilha, eu vivo falando isso para os alunos e, vez ou outra, me pego fazendo a mesmíssima coisa. Com a situação analisada e os próximos passos razoavelmente desenhados, pegue leve com você mesmo.

De maneira nenhuma quero te desencorajar a buscar melhores rentabilidades, a estudar diversas modalidades, a aprofundar seu entendimento. Tudo isso é extremamente desejável, mas não podemos deixar que nossos esforços em criar uma estratégia para nossos investimentos nos afastem de um planejamento financeiro mais amplo e mais inteligente, que contempla nossos respectivos orçamentos, nossos sonhos, nossas inseguranças, enfim, a nossa vida.


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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Heloísa Sanchez