Só isso

Ontem Gabriela se trancou no escritório e, com a obstinação que só o prazo apertado é capaz de provocar, soltou o tradicionalíssimo “só saio daqui quando terminar esse trabalho” – por trabalho, entendam “tarefa a ser entregue para o professor do mestrado”.

Não sei se vocês sabem, mas os mineiros que se encontram em posição estudantil costumam chamar o “trabalho” não de “trabalho”, nem tampouco de “tarefa”, mas de “para casa” – isso não tem absolutamente nenhuma relação com o ponto que quero trazer neste texto, mas eu quis oferecer para vocês essa pequena pepita de conhecimento de utilidade questionável porque acho bonitinho.

pedi para que ela me mandasse um registro da mesa para eu ilustrar o texto, desconfio que ela deu uma arrumada antes de tirar a foto

O fato é que Gabriela estava lá, com sua xícara de café e o cansaço acumulado da semana, segurando a cabeça com uma mão enquanto sassaricava entre uma página e outra, em busca da inspiração divina. Fui passear com Jorge e, quando volto, escuto vozes. Me aproximo e identifico uma voz masculina, bonita, explicando os conceitos dos métodos quantitativos de pesquisa em ciência política.

Meu deus, a Gabriela é tão ninja que ela deu um jeito de falar com o professor numa tarde de sábado, eu pensei, que cara de pau, coitado desse cidadão. Segui nos afazeres domésticos e rapidamente entendi que o jovem prestativo não era o professor, mas um monitor, um ex-aluno que tem facilidade no assunto e se dispõe a ajudar os seres que sofrem.

Vinte ou trinta minutos se passaram e, após explicações tão bem feitas que até eu, que sou mais besta, consegui entender, Gabriela se despede do rapaz, levemente incrédula, dizendo “mas é só isso, então?”.

Esse é o ponto do meu texto, o “mas é só isso, então?”.

Não sobre o “mas é só isso, então?” da Gabriela, que eu gosto porque é da Gabriela, mas sobre o “mas é só isso, então?” que brota em todos nós quando uma sequência de pontos desconexos e incompreendidos passam a fazer sentido.

Trechos de informações que antes pareciam uma pintura do meu afilhado de 5 anos agora estão claros, estão ali, ordenados, eles tem começo, meio e fim, eu sou capaz de explicá-los para alguém, meu deus, que alegria que é deixar de ser ignorante.

Agora que vocês leram dois parágrafos emocionados sobre a felicidade que é entender, embarquem comigo nessa pequena digressão sobre o tom incrédulo que geralmente acompanha os que subitamente se iluminam após dedicarem uma quantidade de esforço menor do que esperavam que seria necessária: que traço triste da nossa cultura.

Se o percurso foi menos árduo do que parecia ser, se a solução encontrada é menos complexa do que acreditávamos que seria, ela vale menos. No exato instante em que nos percebermos sabedores, passamos a questionar a legitimidade do nosso saber.

O traço é triste, ao meu ver, por dois motivos principais:

#1 Ele nos expõem aos que vendem complexidade. Se o simples me parece bom demais para ser verdade, se eu só consigo confiar no que, no fundo, eu não entendo, passo a olhar com bons olhos a todos aqueles que vivem de enfeitar o pavão.

#2 – Ele brinca com um dos porões da nossa mente: a crença de que somos muito, muito especiais. Como pode ser possível que uma solução simples e prática, facilmente compreendida, seja boa o suficiente para mim, que sou um alecrim dourado, que tenho tantas particularidades, que sou tão diferente de todos os outros?

Ainda nessa mesma rodovia, flertando com nosso fetiche de diferenciação, ele nos entope de uma autoconfiança despropositada: “sim, meu anjo, 99,5% das pessoas queimam a mão quando encostam aqui, mas você não, além de lindo, você fará parte dos 0,5%".

Como os mil paralelos possíveis com o universo do dinheiro não são necessários por aqui, de tão óbvios que seriam, vou aproveitar o parágrafo vago para deixar um recado para mim mesmo e para todos os que, de alguma forma, ensinam: que a vaidade não nos assole, amigos, que as soluções simples, que oferecem autonomia para quem está caminhando, façam nossos olhos brilharem todos os dias e sejam a base do nosso trabalho.

Mas é só isso, então? Só isso.

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Heloísa Sanchez