Biscoito: uma reflexão sobre a previsibilidade

A moça sentado aqui do lado me confidenciou que não aguenta mais o cookie de chocolate que eles oferecem no avião. Segundo ela, “até que é gostosinho, mas…”. Contei pra ela que tenho voado tanto que eu meio que criei uma rotina: aceito o cookie meio boca, peço dois copos de água e abro meu computador para trabalhar um tiquinho. Ela argumentou que eles deveriam variar os lanches.

Achei graça do desejo dela: ela queria não saber o que seria oferecido. Ela queria uma surpresa.

Tenho pensado bastante na nossa relação com a previsibilidade. Primeiro porque, à exceção das pequenas mordiscadas de rotina, meus últimos meses têm sido bastante peculiares e, segundo, porque tenho acompanhado o lançamento do novo título do Tesouro Direto, o Tesouro RendA+. Explico: nos últimos 45 dias eu devo ter detalhado o funcionamento do título algumas dezenas de vezes, em contextos diversos, para pessoas que possuem níveis de conhecimento distintos.

É difícil não notar o quanto ele coloca em xeque algumas de nossas perceções sobre tempo, futuro e conforto mediante a incerteza.

Procurei me manter atento às reações e quero compartilhar com vocês duas posturas que surgiram com bastante frequência, que se manifestam em todos nós em alguma medida e que se conectam com o diálogo meio estranho que eu tive com a minha vizinha de assento.

A primeira postura, provavelmente a mais comum, é a do seduzido-pela-sensação-de-controle. Para fins de exemplo, chamaremos de Teobaldo o personagem que ilustra esse comportamento. Sem conseguir disfarçar a empolgação, Teobaldo solta algo parecido com:

“Nossa, mas então se eu comprar essa quantidade de títulos eu vou contar com essa renda? Por 20 anos? Com certeza? Simples assim?”

Ao ouvir a resposta (“sim, Teobaldo, salvo um problema grave e bastante improvável de insolvência no governo, você contará com essa renda”), ele quase cai pra trás de alegria. Dá pra sentir no tom da voz a ansiedade em contar sobre isso para a tia, pro cunhado, pro gato, pro cachorro, pro colega do trabalho. O fato de jogar com o regulamento embaixo do braço o deixa feliz. Ele sabe o que vai acontecer, ele entendeu o processo. Pode entregar pro Teobaldo o mesmo biscoito sempre.

A segunda postura, ilustrada por outro guerreiro – o Astolfo –, é a do tô-entediado-bora-bagunçar-isso-aí.

Astolfo é uma figura curiosa. Você pergunta: “Astolfo, você entendeu como funciona? Você falou pra mim que queria essa renda, com o título novo fica bem conveniente, né, você praticamente resolve seu problema” e ele não consegue explicar bem o que ele está sentindo:

“Mas… hm… eu estava indo bem com minha carteira de investimentos, todo mês eu confiro a rentabilidade. Eu separo algumas horas por semana para acompanhar o mercado, aí vou fazendo os ajustes...”

E você segue:

“Astolfo, mas não seria melhor simplesmente assegurar a renda e já decretar essa questão como resolvida? Eu estou vendo a rentabilidade da sua carteira, eu estou vendo o tempo que você dedica para essa função…”

Astolfo me entende racionalmente, ele até gosta da minha linha de raciocínio, mas ele está apaixonado por sua própria narrativa: “com a quantidade certa de estudo e dedicação, eu vou superar o desempenho oferecido aos meros mortais, e ainda vou gozar dessa alegriazinha que me dá sempre que eu vejo que um investimento que eu fiz deu bom”.

É estatisticamente provável que Astolfo tome meia dúzia de petelecos na cabeça, gire a carteira como se não houvesse amanhã, enriqueça a corretora, amargue um prejuízo, fique chateado, desista e volte alguns meses depois, mas ele prefere essa montanha-russa ao tédio do saber o que está por vir (mesmo que o “por vir” lhe seja conveniente).

Para o Astolfo, entregar o biscoito de chocolate todo dia é algo ruim. Ele prefere receber biscoitos diferentes, mesmo que eventualmente ele receba um biscoito de jiló, e ele sustenta sua convicção na expectativa de que, um dia, ele receba o biscoito mais gostoso do mundo (que é o biscoito de queijo feito pela Rute, tia da Gabriela, minha esposa).

Todos flertamos com a postura do Teobaldo e do Astolfo, em diferentes medidas e momentos, a depender do contexto e do estímulo. Neste pedacinho da vida – a estruturação dos investimentos – sou do time Teobaldo e te convido a fazer reflexão por aí, sem perder de vista que tempo, energia, autocontrole e dinheiro são recursos extremamente limitados. O recurso que dedicamos ao projeto A é, necessariamente, o recurso que não teremos para dedicar ao projeto B.

Que saibamos escolher sabiamente.

Boa semana e bons biscoitos, amigos.

Heloísa Sanchez