A conveniência vence

Amigos, escrevo meio chafurdado nessa semaninha entre o natal e o ano novo, nesse tempo abençoado em que existimos mas não muito – toda a preguiça será perdoada, todos os pudins serão comidos.

Esse hiato me deixa mais reflexivo. É uma espécie de leseira misturada com uma sensação gostosa de caderno novo, uma sonolência que vem junto com um ímpeto de sonhar os próximos tempos, repensar as rotinas, as relações, as áreas da vida.

Num par de horas mais dispostas talvez você esteja meio que listando as promessas de ano novo e, para te apoiar nesse processo, vou dar um conselho que eu repito constantemente para mim mesmo:

Ao invés de aspirar disciplina e motivação, simplesmente remova os obstáculos.

Mais do que "focar nos resultados" – que mantra tosco, amigos – pense carinhosamente nos processos, esmiuce-os, coloque-os numa folha de papel e dedique-se a remover cada pequeno possível impedimento. O objetivo é fazer com que as boas escolhas sejam extremamente convenientes. Mais do que sonoras, nobres, românticas, imbuídas de "propósito", elas precisam ser convenientes. Cedo ou tarde, a conveniência vence.

Pedimos o delivery de comida potencialmente tranqueira porque é conveniente.

Se perguntarem "ah, Zé, você gostaria de comer de forma mais saudável?", ele provavelmente vai responder "SIM!". Isso posto, de maneira contra-intuitiva, pequenas mudanças que impactam o processo provavelmente serão mais efetivas do que mentalizar a força de vontade cósmica e dar três pulinhos pra pedir a benção dos céus.

Zé, ao invés de utilizar o aplicativo que esfrega um hambúrguer gigante no seu nariz (é tentador, eu sei, nós estamos juntos nessa), coloque em destaque no seu WhatsApp o restaurantezinho do seu bairro que entrega uma comida honesta por um preço justo.

"Ah, mas é muito mais barato comprar os ingredientes e cozinhar em casa".

De fato, mas às vezes o Zé, assim como eu, é meio preguiçoso. Se conseguir comprar os ingredientes e ajeitar uma pratada de dar orgulho, ótimo. Se não, ótimo também, trabalharemos com o possível.

Podemos aplicar a mesma lógica ao nosso fluxo financeiro.

Grande parte dos nossos deslizes não teriam acontecido se o processo de enfiar o pé na jaca não fosse tão fluido, tão gostosinho, tão... conveniente: remova seu cartão de crédito do seu navegador, desabilite o "comprar com um clique", apague os aplicativos de ecommerce do seu celular.

Se uma compra não merece que você se desloque até o computador, abra o ziper da sua carteira, pegue um cartão de crédito e digite dezesseis numerozinhos e mais duas ou três informações, essa compra não merece ser feita. Não aceite esse convite constante ao erro.

Torne o processo de comprar mais chato, mais dolorido e se aproveite dessa fricção para comprar melhor, sem culpa e com prazer. Nota importante: não há problema algum em comprar, demonizar o consumo é algo bem perigoso, meu ponto aqui é definir o que de fato é importante e justifica o esforço que você faz para ganhar o seu dinheiro.

Em se tratando da formação de reserva (para emergência, para aposentadoria, para algum projeto, tanto faz), remover os obstáculos e tornar o processo mais simples também é algo extremamente desejável. Não é a toa que os educadores financeiros gritam por aí para que você automatize a sua poupança e a transforme num gasto fixo. É porque assim funciona melhor.

"Mas eu gosto daquele ritualzinho de sentar no final do mês, olhar meu extrato, ver quanto sobrou e mandar pro meu investimento, me traz muita satisfação".

Eu entendo e acho maravilhoso que isso seja um momento de prazer. Mas é trabalhoso demais. Tem etapas demais. Obstáculos demais. Minha sugestão: pense aí em um valor menor do que o que você acredita que conseguiria juntar com algum conforto todos os meses e agende uma transferência automática e recorrente. No fim do mês, você segue seu ritual, olha o extrato e se der, transfere mais. Não coloque seu plano em risco. Depender de boa vontade e disponibilidade cognitiva para algo tão importante é um grande erro.

Te convido a dar uma olhada na sua listinha de planos para 2022 tentando praticar esse olhar de simplificação, removendo os obstáculos, tornando cada etapa menos suscetível à falha.

Para finalizar, tenho outro convite para todos nós: que as festas sejam uma desculpa para amolecermos.

No fim, a orgia gastronômica e as inúmeras piadas sem graça envolvendo as palavras "peru" e "pavê" representam um convite para que passemos a nos mover com mais lucidez e generosidade – além daquele que já nos é dado durante o ano todo, a todo instante, sem parar.

Um abraço grande e seguimos.


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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Heloísa Sanchez