Desabraço

Ao contrário da minha avó, a saudosa dona Carmen, sempre fui ruim com plantas. Às vezes eu regava demais, às vezes elas morriam de sede, às vezes deixava a pobre num simulacro de masmorra, às vezes elas esturricavam ao sol.

Foram diversas tentativas bem dispostas até que eu, resignado, passei a me identificar como um ser jardineiramente inábil. 

Para terminar de escangalhar com minha autoimagem inimiga do verde, me casei com Gabriela que, ao contrário de Valéria, minha saudosa sogra, também acumula no currículo uma série de mortes vegetais.

Nossa primeira casa tinha um belo jardim, com um gramado lindo e uma jabuticabeira colossal no fundo. Quando devolvemos a casa ao proprietário a grama estava morta e a jabuticabeira exalava uma atmosfera fúnebre de fim de festa de réveillon.

No início de 2021 mudamos para Brasília e eu resolvi me dar mais uma chance – porque embora eu seja realmente pouco jeitoso e eventualmente um pouco limitado, eu sou brasileiro, e se tem uma coisa que os últimos anos mostraram é que nós, os brasileiros, realmente não desistimos. Comprei duas plantas para meu escritório: uma jibóia e um cróton.

Hoje, exatos dois anos depois, o cróton está tão bonito e tão vivo que a gente olha pra ele e sente vontade de beber um copo de água pra manter a pele macia e ser digno de compartilhar a morada com tamanha beleza.

 
 

A jibóia cresce a passos tão largos, ela está tão cabeluda (desculpem, eu não sei elogiar plantas), que em breve eu precisarei mudá-la de lugar para que ela não prejudique o enquadramento das minhas filmagens e me impeça de acessar minha estante de livros.

 
 

Me ocorreu que, em pról de certa coerência e compromisso com a verdade, eu não deveria dizer por aí que eu sou ruim com plantas e aqui compartilho com vocês um ponto que sempre me inquieta: 

Em que momento eu, que sempre fui ruim, deixo de ser ruim? Qual é o marco? Em que ponto eu ganho o direito de recomeçar sem carregar comigo o peso dos meus deslizes todos?

Quando é que eu me presenteio com o desabraço de uma identidade triste? Quando é que eu deixo o passado passar?

Olhando para meu cróton feliz, decidi praticar, comigo, o mesmo que pratico com os alunos que chegam com a autoestima mais abalada do que a minha ex-jabuticabeira, convencidos de que são muito ruins, que não sabem gerir dinheiro, que "planejamento financeiro não é pra mim": me darei um recomeço fresco de graça, como uma gentileza em retribuição ao fato de que eu estou tentando mais uma vez. 

Espero que vocês façam o mesmo por aí.

Feliz 2023, amigos.


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Heloísa Sanchez