A morte

Amigos, não sei qual labirinto obscuro do YouTube me levou até um documentário chamado Money, hapiness and eternal life – Greed. Em uma tradução livre Dinheiro, felicidade e a vida eterna – Ganância.

Dei um play despretensioso, assisti um pouquinho, me arrependi de ter começado, mas fui acometido pela falácia dos custos irrecuperáveis – já que comecei, vou até o fim. É um documentário de quase uma hora e meia que poderia ser um ótimo curta de 20, 30 minutinhos, mas acho que valeu a pena.

Ele faz bingo na cartela dos clichês e fala o óbvio: o dinheiro como linguagem, símbolo de sucesso, insígnia dos que "chegaram lá" e em seguida desmonta o castelinho de areia, explicando de maneira superficial que, "veja lá, não é bem assim, esse caminho da ganância é perigoso". Surgem alguns personagens caricatos, empresários eloquentes que claramente se enrolam nas próprias narrativas meritocráticas (o que, por si só, é algo interessante de ver), fica até meio cômico, tamanha a ingenuidade.

Tem um ponto porém, bem precioso, que não costuma aparecer nas discussões comportamentais (econômicas ou não) tanto quanto deveria: o consumo como uma distração conveniente, uma maneira de não olhar nos olhos da finitude, um artifício para não lidarmos com o fato de que em breve morreremos.

Abaixo uma fala da Jetsun Khandro Rinpoche, grande professora do budismo tibetano, oferecida ao documentário:

Desejo, ambição e as dificuldades que suscitam a raiva e a agressão, na perspectiva filosófica budista, são as consequências enfrentadas por alguém que está constantemente olhando para o que não é verdade.

Nós falamos sobre três verdades fundamentais. Primeiro, as coisas são impermanentes. Segundo, o princípio fundamental de tudo é a vacuidade. Mas o que acontece é que tentamos construir algo que nos faça esquecer de tudo isso, tentamos fazer com que as coisas sejam permanentes. E essa luta nos leva à terceira verdade desse sofrimento: nós passamos a nos apoiar em coisas. Vou dar um exemplo: você tem uma camisa e toda vez que você vai ao shopping, você compra outra. Você talvez já tenha doze, mas você compra a décima terceira, só para alimentar essa percepção de que você vai viver o suficiente para utilizar todas elas.

Então, todos os dias fazemos algo consistentemente para solidificar ainda mais nosso senso de imortalidade, nosso senso de viver continuamente, sem mudar, e essa luta consistentemente constrói todas essas neuroses — e a mais proeminente é a ganância.

Interessante, não?

O exemplo das camisas me pareceu extremo, difícil de conectar com as minhas pequenas loucuras, mas tudo ganhou mais sentido quando, em um primeiro momento, associamos o consumo com a construção de uma identidade e, em um segundo momento, constatamos em nós mesmos o desejo de que essa identidade dure para sempre: filha atenciosa, profissional bem sucedido, pai de pet, moça bem cuidada, enfim, toda uma sorte de crachás que penduramos no peito e que são reificados pelas coisas que pagamos com nosso cartão.

Esse desejo da imortalidade, veja, é sutil, discreto, quase velado. Em um nível mais analítico e frio, todos sabemos que, com sorte, envelheceremos, e que pouco depois vamos partir, mas, por medo de viver com essa premissa no bolso – ou talvez por nos sentirmos incapazes de imaginar outra possibilidade –, nos movimentamos como se de alguma forma fôssemos escapar.


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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Heloísa Sanchez