Diquinha

Amigos, contar com o privilégio de viver um tiquim em cada canto tem lá suas peculiaridades. Algumas são mais óbvias e eu já havia antevisto, outras me pegaram de surpresa. Eu sabia que perderia aquela sensação gostosa de casa, por exemplo, eu sabia que não conseguiria, constantemente, ter as coisas do jeito que gosto. Sabia também que manter a vida razoavelmente saudável seria um desafio, é bem fácil descuidar quando o ritmo fica agitado demais.

Eu não havia pensado, porém, em como cuidaria da minha vida social, das minhas relações. Bom, percebo agora que, para além do círculo mais íntimo, minha vida social é uma grande casa de vó. Um entra e sai meio maluco de gente. Participo mais ativamente de uma turminha por umas semanas, me afasto um pouco, participo de outro grupo, me afasto, volto na primeira turma e assim os dias vão passando.

Como o processo de me aproximar de novos grupos tem se repetido com alguma frequência, venho me atentando para os pequenos rituais que costumam fazer parte de qualquer início de relação. Quais lugares vocês vão? Quais bairros vocês frequentam? Onde vocês pedem pizza? Final de semana vocês fazem o que? São perguntas muito comuns. Eventualmente, porém, com o processo de paulistanização das interações, surge o “você trabalha com que?”, eu respondo que sou consultor financeiro e então as pessoas se dividem em alguns grupos.

Tem o grupo dos que acreditam que os consultores financeiros são pessoas que frequentam iates e atendem pessoas que utilizam um sininho para chamar o mordomo. O grupo dos que acham esse assunto completamente chato e dão graças a deus quando alguém muda o rumo da prosa. O grupo dos que já leram todos os livros sobre o tema e espalham a educação financeira quadradinha por aí.

Tem também um grupo muito especial, sobre o qual eu gostaria de falar: o grupo dos investidores amadores que querem uma diquinha. Para os próximos três meses, qual é a melhor ação? Banco Inter vai subir? Petrobrás vale a pena pro longo prazo? E o bitcoin, hein? Meu primo ganhou um dinheirão com isso aí. As perguntas e comentários seguem nessa linha por horas.

Vejam, esse grupo me chama a atenção não porque acho que esse tipo de interação é especialmente legal ou chata, agradável ou desagradável, mas porque ela evidencia um traço humano muito interessante e perigoso: acreditamos que determinado aspecto da nossa vida será resolvido com uma sacadinha, um movimento pontual. Confiamos que existe alguém, mais experiente, mais vivido, especialista em determinada área, que é capaz de soltar duas ou três frases e UOU! Agora sim!

Se há coisa de 10 anos acreditávamos que uma palestra de 15 minutinhos dentro de um TED era capaz de “mudar tudo”, agora a nossa crença é em um story, um carrosselzinho de instagram, um bate-papo rápido com alguém. Vivemos a era dos insights, todo mundo quer ter um insight.

A resposta mais dura e realista para essas perguntas todas seria algo próximo disso aqui:

Eu, você, o YouTuber, seu tio, o meu primo, o palestrante, o jornalista, o agente autônomo da corretora, o gerente do banco, nenhum de nós tem a menor condição de antever os movimentos do mercado. Nenhum de nós tem qualquer vantagem competitiva. Nenhum método de predição é suficientemente confiável. Os estudos sérios e estatisticamente relevantes atestam que essa papagalhada em torno do próximo ativo que vai subir no curto prazo é um grande cassino, um videogame caro. O melhor a se fazer, o que melhor funcionou até aqui, é contar com a renda variável exclusivamente para o longo prazo e acessá-la através de veículos baratos e geridos de maneira profissional.

Com o tempo, eu desenvolvi uma implementação fajuta e meia boca do método socrático. Percebi que ela funciona melhor do que jogar a realidade dolorida em cima da mesa. Eu entupo o colega de perguntas:

“Vixe, eu acho que tenho um conhecimento econômico bem acima da média e mesmo assim acho que não tenho condições de operar dessa forma, comprando e vendendo papeis a todo momento… você acha que você consegue?”

"Que legal que você conseguiu lucro nessa operação… você acha que o método que você usou é replicável? Você realmente sabia o que estava fazendo? Dá pra repetir todo mês, pra ter um ganho consistente e tal?”

“Bicho, você chegou a ver aquela carta do Warren Buffet, onde ele deixa bem claro que a melhor estratégia, em linhas gerais, na visão dele, é comprar fundos baratos que replicam o índice?”

“Que maluco que esse cara conseguiu comprar uma Ferrari com o dinheiro que ganhou com os bitcoins… você acha que teve um tiquinho de sorte? Ou a tese que ele seguiu é realmente confiável? Dá pra fazer de novo nos próximos 5 anos?”

“Legal esse vídeo do YouTube dessa moça que está dizendo que a carteira dele rendeu 50% esse ano. Não é meio estranho, mesmo assim, ela continuar vendendo cursos desse jeito meio desesperado? Não era mais fácil simplesmente continuar com a estratégia que rendeu 50% ao ano?"

E por aí vai.

São perguntas meio chatas que deixam claro o óbvio: não existem atalhos. Estratégias circunstanciais, que não foram colocadas à prova do tempo, que não foram testadas à exaustão, não servem para nada. São ruídos, mais atrapalham do que ajudam.

Pé no chão, amigos.


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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Heloísa Sanchez