"Compre seu carro agora e comece a pagar depois da páscoa!"

Cá estou, recém-chegado para uma curta temporada neste pequeno e maravilhoso país chamado Minas Gerais. Não sei se vocês sabem, amigos moradores das demais regiões deste outro país chamado Brasil (me referirei a vocês como "não-mineiros", por favor não se ofendam), mas aqui as pessoas conversam e comem.

Eu sei, não-mineiros, que nas nossas respectivas cidades também se conversa e se come, mas aqui a turma levou essas práticas milenares para outro patamar. Em se tratando de comida, por exemplo, é fácil perceber que nesta nação a vida é uma espécie de intervalo entre refeições. As pessoas não tiram a mesa em Minas Gerais, elas só adaptam a mesa para a próxima orgia gastronômica que, oxalá, acontecerá nas próximas horas.

Por não conhecer grandes coisas, eu basicamente vivo aceitando convites e um aceite recente me levou para um lugar que serve feijão tropeiro todo santo dia. É um lugar simples, com cadeiras de plástico, uma TV de tubo e porções generosas. Sentamos, eu, a Gabriela e meu sogro. O sotaque do garçom é tão forte que eu preciso pedir para que ele repita.

Os pratos chegam, os trabalhos se iniciam e, na TV, um rapaz com voz grossa diz: "COMPRE SEU CARRO ZERO QUILÔMETRO AGORA E COMECE A PAGAR DEPOIS DA PÁSCOA!". As pessoas levantam a cabeça, esperando alguma pegadinha. Finalizada a propaganda, percebemos que não há pegadinha alguma. De fato, você compra agora e a primeira prestação vence em abril do ano que vem. As feições de felicidade provocadas pelo torresmo dão lugar a semblantes de espanto e admiração gerados pela oferta tentadora. A turma da mesa ao lado solta um "aí é bom demais, sô", o rapaz ao meu lado, singelo, se limita a dizer "uai".

Por que, afinal, uma promoção como essa funciona tão bem? Qual é a influencia que esse adiamento do pagamento tem sobre nós?

Bom, estamos constantemente gerenciado os recursos que temos a mão – há algumas poucas centenas de anos, gerenciávamos comida e água e, atualmente, nós, os privilegiados, gerenciamos tempo e dinheiro. Embora tentemos racionalizar esse manejo, a verdade é que se fôssemos descrever nosso processo de tomada de decisão em formato de receita – estou em Minas Gerais, só consigo falar sobre comida, me desculpem –, teríamos algo como "uai, põe um tiquim de racionalidade e vai colocando emoção até quase transbordar o trem todo".

Existem, porém, ferramentas instintivas, que visam nossa proteção. No nosso contexto financeiro, por exemplo, contamos com o que a psicologia econômica e a economia comportamental chamam de "dor do pagamento". É uma espécie de desconforto, amplamente estudado, que surge no momento em que nos desfazemos de algo (no nosso caso, de dinheiro). Essa dor, na maior parte dos cenários, é extremamente benéfica, ela nos força a ponderar sobre nosso desejo, ela adiciona uma fricção ao processo de tomada de decisão, fricção esta que é combatida veementemente por todos os agentes que se beneficiam do nosso descontrole (não a toa existe um mercado bilionário – e irresponsável – se formando ao redor dos meios de pagamento).

Ao oferecer a postergação do pagamento o desconforto que seria provocado pelo dispêndio é amenizado. Quanto menor a perturbação, mais frágil estará a ponta compradora: é quase como se o objetivo da campanha fôsse remover toda e qualquer objeção que o candidato a cliente por ventura tenha. São quase 6 meses para começar a pagar e, durante estes 6 meses, nenhuma concessão precisará ser feita. O comprador não vai precisar jantar fora menos vezes. Não vai precisar dar uma segurada na viagem de fim de ano. Não vai precisar deixar de consumir pequenices que tornam o dia a dia mais prazeroso. O prejudicado é o nosso eu-do-futuro, entidade para a qual costumamos dedicar pouco carinho e atenção.

Um jeito interessante de lidar com os contextos nocivos (a postergação, a promoção "imperdível", a parcelinha que cabe no bolso, dentre inúmeros outros) é, justamente, aumentando o nosso repertório intelectual e emocional. O simples fato de identificar as armadilhas, claro, não nos faz imunes, mas, nos familiarizando com os processos, com certeza teremos mais chances de encontrar uma saída que nos beneficie. Por vezes, o que precisamos é de uma pequena pausa, um intervalo (tão raro) que nos permita qualquer tipo de argumentação. Direcionar nossos recursos com autonomia e responsabilidade é um desafio imenso – tão grande quanto o desafio que estou enfrentando agora: como vou viver sem tropeiro quando não estiver mais morando aqui?


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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eduardo antunes