Pitacos financeiros para profissionais autônomos em tempos de crise

Pessoas queridas, como estão? Por aqui seguimos nesse novo estado de espírito criado durante a quarentena privilegiada. Não é o "estou bem, querido!", nem o "estou na merda", é uma digressão confusa, um lance meio "tô ok, não muito, na verdade tô bem, acho... tô bem, tô um pouco confuso, meio mal, pera, não, tô bem, meio cansado só, mas tá tudo indo, estamos aí, estamos caminhando, tô aqui lavando um saco de batata palha".

Em breve minha decisão de não oferecer processos de consultoria individual faz aniversário. Três anos. Para mim foi um grande marco, eu estava deixando de lado minha principal fonte de renda, algo que eu oferecia desde 2011, para dedicar meu tempo a algo que eu não tinha muita clareza do que seria, se geraria um impacto profundo, se beneficiaria as pessoas, se pagaria minhas contas, enfim, foi um salto responsável, mas foi um salto, e esse salto, durante os últimos tempos, se provou imensamente acertado.

Os programas de acompanhamento já contam com mais de 800 alunos e eu recebo depoimentos emocionados praticamente todas as semanas. Sinto falta do atendimento individual longo (nos programas eu encontro os alunos individualmente, mas só uma vez), mas o modelo novo me preenche de outras formas (ele é perene, constante, coletivo, inclusivo, flexível, enfim, é o melhor dos mundos, na minha opinião). Falo sobre eles aqui→.

O parágrafo acima foi um gancho (e um jabá honesto) para o que eu gostaria de compartilhar com vocês. Nesses tempos estranhos, ao invés de encontrar com os alunos quinzenalmente (como de costume), eu resolvi abrir a sala mais vezes e passei a oferecer plantão uma ou duas vezes por semana. A troca tem sido tão boa, tanta coisa legal tem saído dali, que eu resolvi compartilhar com vocês algumas descobertas da turma do Finanças Para Autônomos→ (FPA), um dos programas oferecidos.

São profissionais que foram diretamente afetados pelo isolamento social e que estão tentando se movimentar para lidar com as próprias vidas financeiras. São, obviamente, profissionais privilegiados, que contam com uma estrutura mínima, e por isso é importante deixar claro que, bom, são dicas, sugestões, que de maneira nenhuma resolvem a situação delicada em que se encontra (e se encontrará) a maior parte dos profissionais autônomos atingidos.

Tenho visto um monte de propaganda por aí do tipo: "Ei, profissional autônomo, sangue no olho e faca no dente, bora, bora sair dessa crise melhor do que entrou, mude seu marketing, faça exercício, coma saudável, só depende de você". Como se a pressão natural de um momento tão complicado já não fosse suficiente.

Vou compartilhar movimentos que eles experimentaram por lá, na esperança de que o relato deles seja útil para mais alguém. Alguns movimentos foram sugeridos por mim, outros foram compartilhados abertamente durante os encontros.

"Eu pedi e... eles aceitaram"

Não vou expor o nome dos alunos aqui, por motivos óbvios, então chamarei todos eles de Manuel. Manuel é um arquiteto autônomo, que tinha um valor grande para receber por conta de um serviço prestado para uma multinacional. Ele estava tocando outros projetos pequenos enquanto isso, para cobrir as contas, mas o grosso da receita viria em setembro (empresa grande demora para pagar).

Os projetos pequenos caíram por conta da coronacrise e o caixa do Manuel ficou extremamente apertado. O alívio só viria em setembro (daqui 5 meses). Sugeri ao Manuel que ele escrevesse para a multinacional e pedisse o adiantamento. Ele falou que ninguém iria ler e que não valia nem a perda de tempo. Perguntei quanto tempo ele demoraria para escrever esse e-mail, ele falou que uns 30 minutos. Falei que me parecia um bom investimento: risco baixo, potencial de retorno imenso. Ele escreveu o e-mail, ninguém respondeu, ele ligou no dia seguinte, falou com o rapaz do "contas a pagar e receber", o rapaz falou que ia encaminhar para o diretor. Manuel recebeu o valor todo (cerca de R$ 50.000), uma semana depois.

Foi um movimento inusitado? Muito, eu apostaria que uma fração pequeníssima das empresas atenderia o pedido do Manuel. Mas custou um e-mail escrito em meia hora.

"Estava com medo da debandada e resolvi puxar todos os meus pacientes para conversar"

Manuel é psicólogo e, em um mês normal, atende 30 pacientes – alguns toda semana, alguns uma vez por quinzena. Geralmente fatura entre R$ 7.000 e R$ 9.000 por mês. Ele começou a receber mensagem de alguns pacientes, dizendo que gostariam de dar um tempo na terapia, que ficariam com o caixa muito apertado e tudo o mais. Isso serviu de gatilho para que o Manuel puxasse o assunto com todos os pacientes.

Fez uma listinha, conversou com um por um, tentou entender minimamente a situação de cada um e foi marcando:

16 pacientes deram razoável certeza de que seguiriam no ritmo normal.

10 pacientes se mostraram em dúvida, com a situação em aberto.

4 pacientes já falaram que vão parar.

Não entrarei no mérito de como (esse) Manuel lidou com o grupo dos que estão incertos sobre a continuidade, mas acho importante destacar o que aconteceu quando ele puxou esse papo com cada um dos pacientes: ele ganhou clareza sobre as entradas que terá nos próximos meses. A clareza, por si só, claro, não resolve a situação, mas é um ingrediente fundamental. Ela permitirá que o Manuel se movimente com alguma estratégia, antes de a queda de renda, efetivamente, acontecer. Muito melhor do que tomar o susto no dia 30.

"Cheguei com uma proposta"

Manuel, também psicólogo (30% dos alunos do FPA são psis), optou por já abrir a conversa com os próprios pacientes com uma proposta. Ela atende casos mais críticos, de pessoas que definitivamente não deveriam interromper a terapia. Então a sugestão dele foi: "Aos que quiserem, eu vou oferecer uma flexibilização: durante os meses de abril, maio e junho, vocês me pagam metade, e durante os meses de julho, agosto, outubro, novembro e dezembro vocês me pagaram o valor normal + 25%". Ele foi bem didático e transparente na explicação:

No modelo atual, de abril até dezembro, as mensalidades, para um paciente que paga 200/mês, seriam assim: 200 + 200 + 200 + 200 + 200 + 200 +200 + 200 + 200 = 1.800.

No modelo proposto, que talvez fique mais confortável para alguns, ficaria assim: 100 + 100 + 100 + 250 + 250 + 250 + 250 + 250 + 250 = 1.800

O valor final, nas duas rotas, é o mesmo.

"Vendi voucher de bolo"

Manuel trabalha com decoração de festa infantil e faz bolos e, obviamente, vai tomar um baita tombo financeiro nos próximos meses, já que as reuniões (para o nosso bem) não acontecerão. Ele tem uma listinha meio que fixa, 15 ou 20 famílias, que ele atende com frequência, algumas vezes por ano: aniversário do filho, da filha, da sobrinha, do tio, alguns compram o pacote decoração+bolo, outros (a maioria) só o bolo.

Antevendo a queda brusca no faturamento, ele entrou em contato com as famílias (que certamente foram e serão menos afetadas pela crise), foi sincero e ofereceu 25% de desconto para as compras antecipadas, no formato de créditos. Algo como um vale-bolo de 100 reais, que pode ser comprado por 75, sem prazo de utilização.

O faturamento dele de abril se manteve, mesmo sem absolutamente nenhum evento. "Putz, Amuri, mas o nosso trabalho já é barato, a gente ainda vai dar desconto?" – bom, é uma abordagem possível, talvez não seja a ideal, mas ele compra tempo e dá um respiro ao fluxo de caixa, e isso é algo extremamente importante. Nada impede que ele abra outra campanha em seguida, aproveitando o canal já aberto com os clientes, nada impede que ele ofereça algo menor e mais replicável – um kit pequeno, com um bolo e alguns doces, por exemplo, chegando na casa do aniversariante e de alguns convidados, assim todos podem ter essa pequena alegria durante a festa online (festa online me deixa um tiquinho deprimido, amigos, preciso confessar, mas é o que tem pra hoje).

Esses foram quatro movimentos que os alunos do FPA experimentaram e compartilharam comigo e com os outros participantes. Os quatro já foram replicados por outras pessoas, com as respectivas adaptações. As movimentações dos psis, por exemplo, podem ser replicadas por personal trainers, professores de inglês ou de música. A ideia da venda antecipada com desconto (utilizado pelo Manuel boleiro/decorador) pode ser replicada por webdesigners e outros profissionais que trabalham "por projeto".

Você, que não é profissional autônomo, se preocupe com o profissional autônomo que te atende (ou que e é seu conhecido, amigo, vizinho, primo, etc.), pergunte como ele está, sugira (respeitosamente e só depois de escutá-lo) alternativas e, mais importante do que tudo isso, em especial nesses tempos sombrios, consuma do pequeno produtor/empreendedor/empresário/autônomo/freela.

Você, profissional autônomo, me conta como está sendo por aí? Me chama no Instagram (@eduardoamuri), me conta o que você tem feito para lidar de um jeito menos atropelado com esses meses difíceis. Vou gostar de dar um pitaco e, mais ainda, de compartilhar com outros autônomos o que está funcionando para você. E não se esquece de ser compreensivo e carinhoso com você mesmo, vai com calma por aí, não se cobre demais.

Um abraço grande e seguimos.


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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eduardo antunes