Quanto custa um mês em Maputo?

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Depois de abrir meus planos para 2019, algumas pessoas comentaram que seria interessante se eu comentasse um pouco sobre o aspecto financeiro dessa história toda. Escrevi uma espécie de raio-x financeiro e, aparentemente, vocês acharam bastante útil (ou divertido), seja como exercício de planejamento financeiro, seja como referência para pegar a mochila e sair por aí.

Sendo assim, inicio agora uma série de textos (doze, talvez, um para cada mês), onde vou compartilhar um pouquinho dos nossos números. Antes de iniciarmos nossa brincadeira, cabem alguns comentários:

#1 - Os números refletem única e exclusivamente a nossa experiência (minha e da Gabriela, minha companheira). De maneira nenhuma ela serve de base para que entendamos como é a vida da maior parte da população. Esse comentário é especialmente importante quando estamos tratando de cidades em desenvolvimento, que ainda enfrentam problemas graves de infraestrutura (como é o caso de Maputo, pano de fundo desse texto) e também será chave para os períodos em que estivermos em cidades cujo custo de vida é bastante alto (Londres ou Nova Iorque, por exemplo). Não enfrentaremos os desafios que um morador de Maputo enfrenta, nem tampouco gastaremos 150 dólares para jantar em Manhattan.

#2 - Os valores citados neste texto compreendem nossos gastos somados. Caso você pretenda viajar sozinho, lembre-se que não basta dividir os números apresentados por aqui por 2. A conta não vai bater por uma série de motivos (um quarto de solteiro não custa metade de um quarto para casal, por exemplo).

#3 - Entenda que essa série de textos (os que passaram, este e os que virão) estão sendo escritos de modo que funcionem como exercícios de planejamento financeiro. É uma maneira de exemplificar conceitos que eu apresento em meus livros. Eu espero que eles sejam úteis, mesmo que você não esteja planejando uma viagem ou algo assim.

#4 - Estão sendo contemplados por aqui todos os nossos gastos pessoais. Acomodação, shampoo, cerveja, prato de arroz com feijão, ônibus para lá e para cá, tudo isso entra na conta. Por motivos óbvios, não estou colocando na conta os gastos relacionados com minha vida profissional.

#5 - Os textos sempre farão referência a períodos de 30 dias e eu farei o possível para que essa janela coincida com um mês fechado no calendário, mas nem sempre será possível. Neste primeiro texto, por exemplo, estamos falando dos 30 dias compreendidos entre 18 de fevereiro e 18 de março.

Sem mais delongas, vamos aos números.

Um mês em Moçambique, na ponta do lápis

Neste momento estou fingindo que estou dando consultoria para mim mesmo (“Amuri, começa pelos gastos maiores, eles são mais simples de lembrar"). Fiquem à vontade, caso queiram enviar sugestões a respeito da melhor maneira de organizar as informações por aqui.

Acomodação

Maputo é uma cidade financeiramente difícil de entender. Existem abismos financeiros entre as acomodações que se consegue no boca a boca (conhecendo as pessoas por aqui), as acomodações que se consegue através de sites como o AirBnB e as acomodações que se consegue através das imobiliárias especializadas no atendimento de empresários expatriados. Existem inúmeros bairros informais, extremamente pobres, que contam com condições bem precárias de saneamento e limpeza, existem regiões um pouquinho mais abastadas e existem uma dúzia de quarteirões com casas imensas, onde moram famílias milionárias, diplomatas, políticos, etc.

Resolvemos abrir uma exceção (o plano inicial era sempre contarmos com apartamentos ou casas inteiras) e ficamos na casa da Jocza, uma costa-riquenha para lá de querida, que vive aqui há mais de 15 anos e conhece a tudo e a todos. Ela fez com que nossa experiência por aqui fosse incrivelmente mais autêntica e agradável. Ela aluga dois, dos três quartos do apartamento onde mora. É tudo bastante simples e incrivelmente bem situado. Um quarto com uma cama confortável e alguns armários e um banheiro bem pequenininho.

Gastamos um total de 25 mil meticais (a moeda local), que equivalem a 392 dólares americanos.

O aparelho fixado na parede, no lado direito da foto, é uma medido de energia (a energia é pré-paga por aqui)

O aparelho fixado na parede, no lado direito da foto, é uma medido de energia (a energia é pré-paga por aqui)

À princípio não havíamos entendido o motivo de tantas garrafas de água, mas aprendemos logo (durante os últimos 30 dias, ficamos sem água em 3)

À princípio não havíamos entendido o motivo de tantas garrafas de água, mas aprendemos logo (durante os últimos 30 dias, ficamos sem água em 3)

(quase) Todo o resto

“Meu deus do céu, que consultor financeiro é esse que não sabe o quanto gastou com cada categoriazinha? Não vai ter um esqueminha dizendo que vocês gastaram tanto com comida, tanto com lazer, tanto com tal coisa…?”

Não vai.

Durante os últimos 8 anos, eu passei boa parte do meu tempo criando, lapidando, aplicando e propagandeando maneiras mais saudáveis de se criar um planejamento financeiro, algo que contraponha essa coisa custosa e quase insuportável de ficar anotando e categorizando gastos, então não faria nenhum sentido eu me dedicar a algo parecido.

Trabalharemos com um valor que engloba a nossa vida por aqui. Contempla a comida, o café, o transporte, o lazer, as coisinhas de casa, enfim, tudo o que não é nossa acomodação. Gastamos, em média, 12.000 meticais por semana, ou seja, cerca de 48.000 meticais no total. Convertendo o valor total: 800 dólares.

Algumas notas:

— O abismo financeiro que encontramos durante a busca por acomodação surgiu de novo quando o assunto é comida. Na banca da Rosa, na esquina de casa, com 250 meticais (aproximadamente 4 dólares) compramos vegetais e verduras para uma semana. Gastamos um valor equivalente, porém, comprando um pacote de café ruim.

— Não lembro de outra época da vida em que eu tenha comido tão bem e de maneira tão saudável. Enfiei a cara em pastéis de nata e pães portugueses de vez em quando? Enfiei. Mas na maior parte do tempo comemos bem, muito bem.

— 60% das refeições foram feitas em casa, 40% fora. As refeições em casa foram sempre muito fartas, sempre com porções generosas de proteína (nutriente mais caro, sempre, em qualquer lugar). As refeições feitas fora de casa fora variaram bastante. Fomos algumas vezes (4, 5, algo assim) em restaurantes relativamente mais caros (alguma coisa entre 2000 e 3000 meticais para o casal, algo próximo de 40 dólares), algumas vezes em locais um pouco mais baratos (em torno de 1000 meticais, para dois) e muitas vezes nos locais em que a classe média moçambicana almoça. Uma porção (que aqui se chama “dose”) generosa de frango com arroz e salada, para dois, nos custava 240 meticais, ou seja, 4 dólares.

— Fizemos um passeio mais caro, na Reserva Especial de Maputo (vejam a bela girafa abaixo), que nos custou 1800 meticiais (30 dólares), conhecemos alguns museus (todos bem baratinhos, coisa de 20 ou 30 meticais cada), conhecemos Ponta do Ouro a convite do Chico, brasileiro-moçambicano querido que praticamente nos adotou por aqui (dividimos o diesel, um tanque completo custa 2400 meticiais).

— Eu trabalhei um bocado aqui de casa, mas para realizar algumas atividades que me exigiam mais silêncio e concentração eu fui para um coworking. Gastei cerca de 1000 meticais por dia, incluindo café da manhã e almoço.

— A Gabriela fez 9 aulas de citswa, lingua falada na região de Vilankulo, local que visitaremos em breve. Cada aula custou 625 meticiais, portanto 5625 no total (95 dólares).

— Gastamos 1600 meticais na passagem que nos levará para Inhambane, de onde pegaremos um ônibus para Tofo, nosso próximo destino.

Todos esses valores picadinhos estão contemplados no “pacote” de 800 dólares que eu comentei anteriormente.

Biblioteca do CCBM (Centro Cultural Brasil Moçambique), que me abrigou e serviu de escritório algumas vezes

Biblioteca do CCBM (Centro Cultural Brasil Moçambique), que me abrigou e serviu de escritório algumas vezes

Auto-explicativo

Auto-explicativo

Frango a zambeziana (nossa relação foi breve e casual, mas me marcou para sempre)

Frango a zambeziana (nossa relação foi breve e casual, mas me marcou para sempre)

Um pão com ovo sempre terá seu valor

Um pão com ovo sempre terá seu valor

Nobre moradora da reserva

Nobre moradora da reserva

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Consolidando

Com as caixinhas explicadas, fica fácil chegarmos em um total.

— Acomodação: 392 dólares

— Todo o resto: 800 dólares

Total: 1192 dólares

É, mais ou menos, o valor que havíamos previsto inicialmente (veja aqui). Este foi, provavelmente, um dos meses mais barato que teremos durante todo o período fora, já que não compramos passagens aéreas, dividimos um apartamento e tivemos livre acesso a uma boa cozinha, o que fez com que nossos custos com alimentação ficassem bem baixos.

Uma fator que influencia drasticamente a quantidade de dólares que vai sair do bolso é a maneira como a viagem é percebida, que se conecta diretamente com o ritmo a ser dado aos dias. Explico: como a ideia é ficar um período mais longo fora, estamos nos policiando para não entrar num frenesi turístico sem fim. Houve dias em que nós basicamente acordamos, tomamos café em casa, eu saí para trabalhar, a Gabriela saiu para bater papo com uma pessoa que trabalha na área dela, saímos para andar um pouco e fazer algum exercício, jantamos em casa e fomos dormir. Um dia bem comum, ordinário, sem muita pirotecnia. Se estivéssemos enxergando essa história toda como uma grande expedição turística, dificilmente teríamos dias mais tranquilos e, por consequência, baratos.

Me contem: se antes de ter lido o texto vocês tivessem que palpitar a respeito do custo desse mês, você teria chutado um valor mais alto ou mais baixo do que eu relatei? e sobre o formato do texto, o que acharam?

Por hoje é só, amigos.

Um abraço e seguimos.

***

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eduardo antunesviagem, mocambique