Por que precisamos falar sobre dinheiro? - entrevista concedida à revista Vida Simples em 08/2018

Fui entrevistado pela querida Ana Holanda, jornalista e editora-chefe da revista Vida Simples e fico feliz em compartilhar o resultado por aqui.

Raríssimo contar com um olhar tão atento e generoso. 

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“O que você faz?”, pergunto para Eduardo Amuri. Ele para e pensa: “Eu guio as pessoas para que descubram o que é importante para elas”. Essa foi a definição mais linda que ouvi sobre a profissão de consultor financeiro. Entendo, depois de uma conversa demorada, que é exatamente isso o que ele faz. Amuri, que primeiro passou pelas ciências da computação para depois se descobrir nas finanças, sabe enxergar as pessoas, ouvi-las, intervir e aconselhar. Mais do que isso, ele foi percebendo, ao longo dos anos, que dinheiro não diz respeito apenas a planilhas, controles, cálculos. Ele entendeu que a maior parte das decisões sobre como guardar ou gastar nascia nas emoções. Então, era preciso olhar para cada pessoa com mais generosidade e guiá-la para transformar o caos financeiro numa relação mais equilibrada, consciente e (por que, não?) feliz.

Eduardo Amuri é paulista, começou a trabalhar cedo, aos 15, com computadores — porque era bom em consertá-los. Fez faculdade de computação e se embrenhou pelas empresas de tecnologia. Mas, antes dos 25, viveu sua primeira crise: “Sentia que doava tempo e energia demais para a empresa”. Começou a pesquisar coisas que fazia bem: era habilidoso com pessoas e com números. Foi estudar finanças e psicologia econômica. Até que, um dia, se assumiu como consultor financeiro. Isso foi há sete anos e, desde então, auxilia pessoas e empresas em situações variadas: gente que está endividada, que está querendo planejar melhor a vida, com pouco ou muito dinheiro. Ele tem também um projeto no qual dá aulas em escolas (públicas e privadas) de educação financeira para jovens. Promove cursos abertos, online e rodas de conversa. Lançou o livro Dinheiro sem Medo (Benvirá) e, neste ano, deve lançar o segundo. “Achamos que nossas decisões financeiras são racionais. Mas são emocionais e, por isso, nossa vida vira um caos. O que ofereço é um olhar mais humano para ajudar as pessoas a se organizarem em relação a isso.” Menos planilhas de Excel e mais entendimento. Foi sobre isso que conversamos.

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P: Por que falar sobre dinheiro?

O jeito mais fácil, natural e sustentável de aprender sobre dinheiro é falando sobre ele. Em geral, conversamos sobre assuntos que nos agradam. Se você gosta de futebol, vai conversar sobre isso e, sem perceber, já estará acompanhando os campeonatos, trocando ideias sobre o tema. Mas, quando o tema é dinheiro, evitamos o papo. O colocamos num lugar nebuloso, espinhoso, como se fosse um assunto só de especialista, só de gerente.

P: Existe um motivo para isso?

Isso vem da educação, da cultura católica, de entender o dinheiro como algo sujo, que macula as relações. A gente cresce ouvindo que não é assunto para se colocar na mesa. Lembro de uma vez em que estava na casa da minha avó e perguntei para o meu tio quanto ele ganhava. Minha mãe me fulminou com o olhar e o mal-estar que se criou foi gran-
de. Outra questão é que temos o dinheiro como métrica de sucesso. Isso torna o assunto ainda mais denso. E é por conta de todas essas barreiras que tomamos decisões péssimas, guardamos preocupações e temos dificuldade para falar sobre.

P: Trabalhar com planejamento financeiro é um exercício de escuta?

Muito. E você tem que saber qual o momento de ouvir e o de se posicionar. Quando alguém contrata uma assessoria financeira é porque quer falar sobre o assunto, mas não sabe com quem. Então é uma conversa em que o outro se expõe, em que coloca seus medos. E você está no papel de guiar e de escutar sem julgar.

P: O que dinheiro diz sobre nós?

Ele diz muito sobre nossas escolhas, o tipo de educação que tivemos, sobre nossas prioridades, sonhos, desejos e objetivos. É por isso que para falar sobre isso é necessário ter um ouvido afetuoso. Se a gente oferecesse esse tipo de escuta entre os amigos, minha profissão ia sumir em pouco tempo. Seríamos necessários em casos específicos, de com- plexidade técnica. Conseguiríamos lidar com nossos monstros financeiros conversando uns com os outros.

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P: O dinheiro pode ser uma distração para não lidarmos com sentimentos mais profundos?

Sim e, nesse ponto, a relação com o dinheiro é bem parecida com a que temos com a comida. São gatilhos parecidos que podem nos levar a gastar ou a comer mais, em busca de pequenos prazeres. Quando gastamos com alguma coisa, um livro ou um sapato, por exemplo, recebemos uma recompensa, que é o prazer, muitas vezes seguido pela culpa. O dinheiro tem esse poder de tapar alguns buracos e não fazer com que a gente olhe para algumas questões emocionais, como insatisfação, tristeza, frustração. Isso acontece muito com pessoas que não conseguem organizar o próprio tempo. Quando não estamos conseguindo dar atenção ao parceiro, a uma pessoa querida, aos filhos, tentamos suprir esse buraco com presentes. O dinheiro tem esse poder de, teoricamente, limpar a nossa consciência. Mas isso não costuma se sustentar por muito tempo, tem certas coisas que não conseguimos comprar.

P: Qual o equilíbrio entre realizar desejos e se planejar para o futuro?

Vamos dar um passo para trás e entender o que é planejamento financeiro. É você direcionar o seu dinheiro e a sua energia no que é importante para você. Se isso vai tomar a forma de uma folha de papel, de uma planilha ou de um aplicativo superchique tanto faz. Quando começamos a listar nossas prioridades, em geral percebemos que temos algumas várias delas. Você não quer morrer na sarjeta, mas também não quer levar uma vida miserável agora. Então dois grandes desafios financeiros são elencar essas prioridades e dimensioná-las — vou disponibilizar um determinado valor para isso e para aquilo. A questão é que, em geral, também não temos muita clareza de quais são essas prioridades. E daí acabamos comprando o que é importante para a sociedade, e não para nós. Prioridade é ter uma casa própria, é se aposentar, é não depender de salário. Mas você já se perguntou se isso é importante para você? O segundo desafio é, depois de traçar esses planos, fazer com que eles sejam o menos penosos possível. Se você adotar um método muito engessado, vai cansar dele rápido e vai deixá-lo de lado.

P: O que o dinheiro lhe ensina?

Quando eu era moleque, acreditava que ter muito dinheiro era fundamental para uma vida boa, para ser feliz. A minha família não era pobre, mas também não sobrava nada. Meus pais sempre se preocupavam com isso, e o dinheiro era fonte de atrito. Então eu cresci com essa crença de que para ter uma vida ou um casamento tranquilo era importante ter muito dinheiro. Hoje, cruzo com várias pessoas que têm muito dinheiro e são infelizes. Então, talvez não seja uma questão de ter muito dinheiro. Isso foi um grande ensinamento. Isso me fez repensar meus direcionamentos e perceber que dinheiro não é o mais importante. Lidar com finanças também me ensina sobre a impermanência das coisas. De vez em quando, encontro com pessoas que foram meus primeiros clientes. Há cinco anos, a vida deles estava muito ruim. E hoje está muito boa. Isso me mostra que as coisas não permanecem do jeito que estão para sempre. Estou aprendendo a me fincar menos nas minhas verdades, e também sobre felicidade, apego, sobre escolhas e saber respeitar as escolhas do outro. Por fim, aprendo a lidar com as diferenças e a ver beleza em todas elas. Percebi que falar sobre dinheiro é aprender a olhar as pessoas com mais proximidade e generosidade, porque nunca é só sobre dinheiro, mas sobre sonhos, medos, frustrações. É sobre a vida.

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eduardo antunes